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domingo, 18 de outubro de 2009

ANÁLISE COMPARATIVA DA POESIA LÍRICA CAMONIANA.

ALUNO: RUBENS CAMELÔ

A poesia lírica de Camões tem com principais temas o discurso sobre o amor e o destino do ser humano. Influenciado pelo Humanismo, o escritor lusitano utilizava a forma fixa do soneto petrarquista, tanto na métrica (decassílaba), quanto na disposição de suas estrofes (dois quartetos e dois tercetos), além de outros traços da escola clássica.

As poesias camonianas, como todos os poetas que buscam por meio da expressão filosófica a explicação e expressão do amor cristão, possuem uma estreita relação com as idéias de Platão acerca do que seja esse amor. Para o filósofo, existe um mundo sensível (mundo real, concreto) e um mundo inteligível (mundo das idéias), o primeiro vive à sombra do segundo, e o mundo inteligível pode ser (re)interpretado como sendo o Paraíso Cristão, no qual existe uma beleza absoluta, um grande gerador e gerenciador do mundo, aquilo que se tornou a grande busca cristã: Deus.

Sendo Deus o paraíso bíblico e a beleza absoluta, segundo Platão, a única maneira de chegar a este destino divino é por meio do amor. Este é o grande preceito das líricas camonianas. Porém, as idéias platonistas tratam de um amor celeste, puro, não carnal, vulgar, pois o amor carnal remete ao pecado, ao contrário do amor celeste que conduz os homens ao bem. O erotismo existia, mas era tratado o mais discretamente possível, por conta da severidade cristã.

Apesar das influências neoplatônicas renascentistas, é fácil observar nas líricas de Camões três idéias que o aproxima das filosofias de Platão:

O amor, quando idealizado, eleva o espírito ao ponto de proporcioná-lo a contemplação de uma realidade extraterrena;

Esse amor como o grande orientador do espírito, deve ser usado para o bem para que assim, a realidade inteligível possa ser iluminada;

O amor ou a contemplação platônica da mulher amada, que é o reflexo da beleza divina, enobrece a alma e nela executa a imagem incorporal.

Nos mais conhecidos sonetos camonianos a temática amorosa é a mais recorrente. Apesar de se entregar ao amor terreno, o eu lírico camoniano, reconhece que não é esse o amor que deve almejar, e sim, o amor divino. Esse conflito entre o pensamento divino e o corpo terreno é constante.

Apesar das raízes platonianas serem muito fortes na lírica de Camões, ele, muitas vezes, segue os preceitos de Sócrates quando demonstra a gradual transformação do amor de um campo físico a um campo mais elevado da alma, transformando o amor material em amor espiritual por meio da intervenção divina, muito presente em seus versos.

A natureza contraditória do amor que vagueia entre o amar e o querer, o sentir e opensar, sofrimento que o amor carnal causa aos amantes e apaixonados, é visivelmente observada no célebre soneto de Camões "Amor é um fogo que arde sem se ver", onde é notável a percepção do autor sobre o aspecto experimental do amor, que ao tentar analisar racionalmente um sentimento imensurável, vago, acaba tornado-o paradoxal.

Amor é fogo que arde sem se ver

Amor é fogo que arde sem se ver,

É ferida que dói e não se sente;

É um contentamento descontente;

É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;

É um andar solitário entre a gente;

É nunca contentar-se de contente;

É um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;

É servir a quem vence, o vencedor;

É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor

Nos corações humanos amizade,

Se tão contrário a si é mesmo o amor?

Luís de Camões

O soneto é composto de 14 versos decassílabos distribuídos em dois quartetos e dois tercetos apresentando em sua estrutura, enunciados antitéticos. Observa-se que o soneto começa e termina com a mesma palavra: amor, recurso estilístico que ressalta o caráter contraditório da temática.

As oposições simétricas dos versos acumulam-se de forma gradativa desembocando na interrogação acerca dos efeitos do amor. Ao mesmo tempo em que o amor é dito e quisto como algo "palpável", concreto no sentido de sua existência, imediatamente o segundo membro dos versos funcionam como complemento do primeiro de maneira a confrontar as realidades: uma sensível e outra espiritual que sempre transcende a primeira (ferida que dói e não se sente).

Podemos encontrar as mesmas características em sua grande Epopéia Os Lusíadas, mais especificamente na simbologia encontrada no canto X, o Episódio da Ilha dos Amores, que possui a mesma temática do soneto acima citado. Neste episódio, podemos considerar que é o amor que conduz os portugueses à imortalidade. Um amor que vai além dos prazeres da carne, uma amor à pátria, ao dever coletivo, a capacidade de superação. É sem dúvida, esse amor divino, puro, que conduz a embarcação de Vasco da Gama ao paraíso dos sentidos, representado pela Ilha.

Dentre todas as características simbólicas encontradas no episódio da Ilha dos Amores, serão destacadas aqui, as que possuem alguma relação com o soneto já citado.

Após passar por todas as dificuldades enfrentadas para encontrar o caminho das Índias, Vênus decide recompensar a tripulação de Vasco da Gama ofertando-lhes uma ilha paradisíaca habitada pelas mais belas ninfas. A ilha, composta de uma flora maravilhosa, é um presente aos cinco sentidos perceptíveis pelos seres humanos, também encontrados nos dois primeiros versos do soneto analisado (Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente): paladar, tato, audição, visão e olfato.

A premiação dos heróis lusitanos é o alcance do mesmo paraíso observado no soneto, um estado de espírito que só pode ser alcançado através do amor, neste momento, recolocado com o grande centro do mundo e que, apesar de haver uma entrega aos prazeres carnais, esse prazer é fruto de um amor puro. O amor aqui apresentado unifica os homens e os deuses, transformando-os em criaturas humanas e divinas ao mesmo tempo. Em outras palavras, é o amor concreto, realizado, mas que não exclui, mas ultrapassa os modelos petrarquistas acerca do amor cristão.

Percebemos também, assim como no soneto, algumas características Humanistas, como por exemplo, a utopia de conceber por meio da conciliação do amor físico e do amor carnal, o encontro do homem e da natureza, a realização, harmoniosa e ilimitada dos desejos sem descarregados de culpa, inocentes.

Outras características poderiam ser aqui enumeradas, pois o Episódio das Ilhas dos Amores, por se tratar de uma narrativa alegórica, está carregado de significações que retratam o poeta lusitano além de suas características líricas, retrata o desejo provocador propositalmente abordado neste canto como um convite às reflexões sobre a liberdade como construção da felicidade.

Um comentário:

Anônimo disse...

gostei esta muito bem escrito e simples